Doença de Von Willebrand ( Parte I )
Introdução e Epidemiologia
A doença de von Willebrand (DVW) é a coagulopatia hereditária mais frequente no mundo. Resulta de um defeito quantitativo e/ou qualitativo do fator de von Willebrand (FVW).
Estudos epidemiológicos com crianças saudáveis em idade escolar mostraram prevalência de DVW de aproximadamente 1%. Estudos posteriores sugeriram que a prevalência em pacientes que procuram por atendimento de saúde primário é menor, em torno de 0,1%. Em serviços especializados em coagulopatias, a prevalência é ainda menor, aproximadamente 0,01%.
A DVW foi descrita inicialmente na Suécia em 1926, por Erik Von Willebrand. Ele relatou o caso de uma menina de 5 anos de idade com tendência a sangramentos graves. O tipo de sangramento mais frequente descrito nos 22 afetados da família foi epistaxe, seguido de hemorragia profusa em cavidade oral, equimoses a pequenos traumas e menstruação excessiva nas mulheres. Sangramento intestinal também foi descrito como causa de morte em alguns membros dessa família. A paciente-índice apresentava contagem de plaquetas normal, mas empo de sangramento (TS) de Duke muito prolongado. Outros membros da família clinicamente afetados apresentavam TS excessivamente prolongado, mas aqueles que eram pouco sintomáticos, não. O teste de fragilidade capilar era positivo e tempos de coagulação em sangue total, normais. A herança parecia ser dominante com penetrância incompleta. A paciente-índice e suas irmãs, que também eram gravemente sintomáticas, provavelmente eram homozigotas, dada a união consanguínea relatada. von Willebrand acreditava que a doença descrita era um distúrbio de função das plaquetas, acompanhada de lesão generalizada das paredes dos capilares sanguíneos.
Fator de Von Willebrand
O fator de von Willebrand (FVW) é uma proteína multimérica sintetizada nas células endoteliais e nos megacariócitos. É estocado nos corpúsculos de Weibel-Palade e nos grânulos alfa plaquetários, e secretado no plasma e na matriz subendotelial extracelular. No plasma, os multímeros do FVW são submetidos à clivagem por uma metaloprotease denominada ADAMTS-13 (disintegrin-like and metalloprotease with trombospondin type 1 motifs), limitando a formação do trombo plaquetário. A deficiência da ADAMTS 13 promove uma doença conhecida como púrpura trombocitopênica trombótica.
O FVW tem como principais funções na hemostasia: mediar adesão plaquetária em sítios de lesão tecidual e formar um complexo com o fator VIII, protegendo-o contra degradação e inativação.
Em algumas situações, como gestação, uso de estrógenos, estresse e exercícios extenuantes (liberação de adrenalina) ou doenças inflamatórias, os níveis de FVW podem estar aumentados. Em outras, como em indivíduos do tipo sanguíneo O, os níveis de FVW podem estar diminuídos ou no limite inferior da normalidade.
O gene responsável pela produção do FVW localiza-se no braço curto do cromossomo 12. É um gene extenso, com 52 éxons e cerca de 178 kb.
A estrutura modular do FVW permite que ele tenha diferentes funções, em geral associadas aos domínios. O FVIII liga-se ao domínio D’ e D3. A glicoproteína Ib da membrana plaquetária (GpIb) liga-se ao domínio A1. Os sítios de ligação ao colágeno encontram-se nos domínios A1 e A3. O sítio de ligação do FVW ao complexo glicoproteico IIbIIIa da membrana plaquetária (GpIIbIIIa) encontra-se no domínio C1, como mostra a Figura 2.
Figura 2: Fator de von Willebrand.
Diagnóstico Clínico
A principal característica da DVW é a presença de sangramentos excessivamente prolongados em mucosas e pele. Frequentemente, os pacientes cursam com epistaxes, gengivorragias, equimoses e sangramentos após pequenos ferimentos. Mulheres podem se queixar de menorragia e hemorragia pós-parto. Crianças podem apresentar sangramentos após imunização de rotina e gengivorragia após a perda da dentição primária.
Não é muito comum que os pacientes com DVW tenham sangramentos profundos como os pacientes com hemofilia, exceto os que apresentam DVW tipo 3, caracterizada por deficiência total de FVW e níveis baixos de FVIII.
Assim, durante a investigação de pacientes com suspeita de DVW, é importante questionar se o paciente apresentou sangramentos após procedimentos cirúrgicos e odontológicos.
A história familiar também é um dado fundamental na avaliação de DVW, que pode auxiliar no diagnóstico em muitos casos, entretanto nem sempre está presente, devido à penetrância incompleta da DVW.
Avaliação Laboratorial
O diagnóstico laboratorial na DVW é complexo e demanda paciência.
Testes de triagem têm seu valor na DVW, mas deve-se reconhecer suas limitações no diagnóstico da coagulopatia. O hemograma completo pode indicar alterações que ocorrem na DVW, por exemplo, anemia hipocrômica e microcítica com reticulocitopenia, sugerindo anemia ferropênica decorrente de perdas sanguíneas crônicas, e plaquetopenia leve, comum na DVW tipo 2B. O tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA) nem sempre está prolongado na DVW, apenas ocorre quando há baixo nível de FVIII. O tempo de sangramento (TS) é pouco sensível e inespecífico. Pode estar prolongado em muitas condições que não apenas a DVW, como vasculites, plaquetopenias e plaquetopatias. Mesmo em pacientes sabidamente portadores de DVW, é descrito que o TS pode não ser prolongado. Por sua baixa reprodutibilidade e por ser invasivo, o TS não é recomendado como teste de rotina no diagnóstico de DVW. Recentemente, outro exame de triagem em avaliação na DVW tem sido usado, o PFA-100® (Platelet Function Analyzer). Trata-se de um teste global automatizado de hemostasia que analisa a função plaquetária. Sua sensibilidade é alta, porém a especificidade é baixa.
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